sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Conto

Asa de Borboleta



Desde muito pequeno Luizinho aprendera com sua mãe que tudo que se fazia na vida era observado pelo Criador. Então era necessário ter muita cautela nas ações, pois podia estar cometendo um deslize que desagradaria muito Aquele que havia criado o Universo e tudo que nele existe...

Então, moleque arteiro como era, precisava sempre estar se corrigindo...

Seus bolsos eram verdadeiros depósitos e estavam sempre cheios de trecos e tarecos... Não podia ver uma pedrinha diferente, um papel ou um pedaço de pente... Ficava fascinado e ia guardando aos punhados! Tinha até um caco de espelho para olhar os dentes, ver se estava bonito, ou ainda olhar a cor da língua depois de chupar um pirulito... Carregava figurinhas, forquilhas e armadilhas... Tinha parafuso, ferro torcido, mola de binga, tampa de lata e cabo de faca... Tudo que encontrava tinha destino certo: o bolso do Luizinho.

A hora de lavar sua roupa era necessária muita atenção; era arriscado ir logo metendo a mão, pois lá sempre havia um objeto não identificado que acabava causando um pequeno ferimento, um machucado!

Um dia o menino pôs se a caminhar pelo fundo do quintal: queria explorar aquele espaço que se fundia com a imaginação. E lá, Luizinho andava como se estivesse numa grande floresta encantada... As lagartixas pareciam dinossauros, os grilos pareciam samurais que saltavam de um lugar para o outro, as taturanas se tornavam serpentes de fogo, as laranjeiras e limoeiros pareciam monstros cheios de braços prontos para agarra-lo...

Ele nunca tinha ouvido falar em anjos e numa daquelas noites em fazia muito calor, tio João sentou-se no chão da porta da sala e lhe falou dos arcanjos, querubins e serafins contou-lhe que se tratava de seres invisíveis que possuíam grandes asas com penas macias... Era uma espécie de gente-ave...
Disse-lhe também que estes seres alados seguiam as pessoas, protegendo-as... Mas quando se fazia maldades, o tal ser saía de perto, deixando a pessoa à mercê de grandes catástrofes... Luizinho ficava de olhos arregalados fazendo uma grande análise de sua vida, enquanto tentava se lembrar de momentos em que provavelmente os anjos o seguiam por ter bom comportamento... Fechou os olhos e imaginou um lindo anjo azul com grandes asas que fazia vento em suas orelhas quando pairava no ar... Pensou que talvez naquele dia em que ajudou sua mãe a recolher as roupas do varal quando o tempo se fechava formando um grande temporal, um anjo tivesse ali do seu lado...
Pensou também naquele outro dia em que praticou uma má ação e ficou de castigo por ter amarrado o rabo do gato no pé do cachorro... Com certeza naquele momento o anjo não estava lá para protegê-lo... Apanhou mesmo!
O moleque travesso ficou encantado com a história dos anjos, fazia mil perguntas a tio João... Adorou a possibilidade de ser invisível. Pronto! Diante daquela história, Luizinho decidiu que queria ser anjo, voar e fazer suas travessuras sem ser visto, queria ir até o céu falar com Deus, pedir-lhe uma ajudinha para a dona Tereza que estava sempre doente... Ele sempre a ouvia dizer com veemência: “Se Deus quiser, vou melhorar...”.
Então precisava falar com Ele e pedir que agilizasse a tal ajuda que custava tanto a chegar...
Certa vez, Luizinho sentou-se no chão sobre as folhas secas do pé de abacate, e lá mergulhou numa fantástica aventura... Retirou de seus bolsos um punhado de objetos e confeccionou uma máquina bastante estranha, mas que funcionava muito bem... A tal máquina era capaz de transformar dois seres em um só, ou seja, ela podia retirar partes de um ser e por no outro... Podia fazer um patogato, um cachorropombo ou quem sabe um peixeboi de verdade!... Era a invenção do século! Podia realizar transformação, aglutinação ou transmutação.
Então Luizinho não pensou duas vezes ao ver uma borboleta colorida pousando num galho... Pensou logo em fazer a máquina funcionar... Pegou a borboleta, retirou dela as duas asas e pôs as em seus ombros; assim talvez pudesse voar até Deus e falar-lhe de dona Tereza...
Mas Luizinho teria que por um pedaço de si na borboleta antes que a pobrezinha virasse comida de passarinho, era preciso agir rápido...
Então pensou no que poderia retirar de seu corpo e colocar na borboleta; mas tudo que pensava achava que lhe faria muita falta... Se tirasse as orelhas, onde poria seus óculos? Se tirasse as mãos, nossa! Nem pensar! Enquanto isso a borboleta com fisionomia de lagarta agonizava... Fez mais alguns estudos rápidos analisando a troca... Poderia pôr-lhe apenas mechas de cabelos, mas naquela semana havia pego piolho na escola e sua mãe mandara raspar lhe o cabelo no zero! Pensou nas unhas, mas logo se lembrou que tinha o péssimo hábito de roê-las, e estavam curtíssimas!
Porém logo percebeu a grande barbárie que havia feito retirando as asas da borboleta. E num desespero foi logo as devolvendo ao pequeno ser já quase sem vida...
A borboleta, logo que recebeu suas asas, saiu voando satisfeita sobre a copa das árvores, passou pelo jardim como se nada tivesse acontecido e Luizinho acompanhou a com os olhos e voou com ela em seu pensamento... Foi em todos os lugares que sonhara e quando estava na porta do céu para falar com Deus, sentiu um toque em seu ombro, e ele dizia:
-Não! agora vou falar com Deus... E recebeu mais um puxão nos ombros...
-Não! disse insistente...
Mas logo ouviu uma voz doce e suave...
-Luizinho, Luizinho, acorda...
Era sua mãe chamando-o para que se levantasse, pois já estava na hora de ir para a escola.
Ele foi logo abrindo os olhos e espreguiçando-se na cama...
Num súbito sentou-se rapidamente tentando encontrar sua engenhosa invenção... Pensou ter sonhado, mas tudo lhe parecia ter sido muito real... Ficou um tanto desapontado, mas deu um largo sorriso quando viu do lado esquerdo do seu travesseiro, uma linda asa de borboleta colorida...

Por Deolinda Cornicelli Buosi