[...] Quando eu era criança, nunca ouvi falar em FELICIDADE... E se
tivesse ouvido, certamente pensaria que fosse uma cidade, por que morar no
sítio não era bom; tudo era muito difícil...
O tempo passou e aos poucos fui entendendo o significado da
palavra FELICIDADE, mas vivê-la intensamente sempre foi meu grande sonho...
Hoje, apesar de usufruir de algo que antes parecia distante,
sinto que a tal FELICIDADE, parece estar sempre no mesmo lugar. Longe, muito
longe...
A vida, às vezes nos presenteia com pequenas parcelas, ou
doses miúdas dessa sensação boa, denominada momento FELIZ. Outras vezes, esses
momentos vêm generosos e duram mais. Contudo, com o passar dos dias também vão
minguando, diminuindo, secando...
A FELICIDADE parece estar sempre indo e vindo, é frenética!
Custa a chegar e parte rápido...
Em dados momentos é sutil, chega sorrateira, por vezes nem a
percebemos... Mas quando se vai deixa um vazio, uma impressão de que éramos
felizes e não sabíamos...
É exaltada em poemas, canções, orações... Há quem diga que a
FELICIDADE é o caminho, eu digo que nem sempre é o caminho, às vezes pode ser o
ponto de partida, ou o ponto de chegada...
Uma gota de FELICIDADE pode ser remédio, mas uma gota de
sofrimento pode ser veneno...
A distância entre a FELICIDADE e o sofrimento tem apenas uma
fração de segundo!
Parece que passar do
Céu para o inferno, é muito mais rápido do que o inverso...
Quando a FELICIDADE é miúda, às vezes nem é notada... Mas
quando se agiganta, eterniza-se na alma!
Sou como obra abstrata, uma pintura de ação, um dripping,
sinto-me lançada, jogada e escorrida no pano da vida. Para uns, obra admirada,
para outros, apenas borrões sem valor algum...
Sou pessoa que requer apreciação lenta, tenho estigmas, incógnitas!
Sou mulher que faz muitas coisas ao mesmo tempo, possuo
muitos significados, sou vária!
Gasto o tempo, conto o tempo e perco tempo.
Sou de muitas palavras, gosto de deixar que a boca fale o que
trago no coração... Expulso a dor com poesia e trabalho.
Sou pessoa de coragem, me revisto de convicção, de atitude e
de fé... Às vezes tenho medo, mas esse sentimento raramente me paralisa, embora
perceba que me fragiliza.
Tenho noção de que o tempo passa ora lento, ora rápido demais
e ser feliz não é uma questão de tempo, mas de busca! Vou envelhecendo, meus
dias vividos vão sendo aumentados e meus dias por viver diminuídos, por isso, às
vezes tenho pressa.
Os agostos me deixam triste. Os ventos uivam como naquelas
noites escuras da infância, as folhas caem, a terra vira um fino pó e se
levanta...
A paisagem cinza não me inspira!... Então, tento encontrar
algo belo em trinta e um dias de um mês desolador...
Daí minha alma se alegra com a florada dos ipês... Eles me
dão uma grande lição... Ressurgem exuberantes e ficam ainda mais belos por
contrastar com a secura da paisagem quase sem vida... E nestes momentos meus
sonhos ultrapassam as copas cheias de fascínio. Encanto-me com os ipês e com
suas cores...
Mas logo me vejo como aquelas flores maduras que se soltam do
ramo e caem pelo chão formando um tapete... Parece um reflexo!
Assim, caio na aridez da terra e não consigo nutrir os
sonhos. A vida me rouba aquilo que acaba de me conceder: Momentos mágicos!
Sempre sonhei mais do que pude ter e mesmo com o cansaço
diário, as agruras da alma e os sulcos no rosto, Deus tem pena de minha pobre
vida e presenteia-me com um pouco de FELICIDADE... Floresço por dentro!
Não gosto de regras. Prefiro as exceções! Não espero que me
compreendam, prefiro que me aceitem.
Pena que as marcas no meu rosto não sejam sinais de
felicidade... A maioria dos vincos marca apenas dor e sofrimento...
Em dados momentos Deus me traz alegrias inesperadas, faz-me sentir
santa mesmo sendo pecadora... Minha fé amansa minha ira, acalma minha mente e
afaga o meu coração...
Às vezes possuo ideais vanguardistas, é também contemporâneo,
mas com valores clássicos... Na verdade, pertenço ao romantismo... Talvez seja
a última das românticas!
Para ser quem eu sou é preciso muito mais que coragem, é
necessário determinação...
Registro sentimentos como quem no passado deixou vestígios de
cenas do cotidiano na parede das cavernas... Como primata, deixo marcas de minha
vida para a posteridade... Tento evoluir como quem construiu dolmens e
menhires...
Às vezes sou mulher da caverna, que mesmo depois de mais de
seis mil anos ainda registro minha história nas paredes da existência. Paredes
que me dividem, limitam, separam... Mas também paredes que abrigam e
protegem...
E assim, tomando nas mãos tintas e pincéis, caneta e papel
vou espalhando meus significados...
Quero contar estrelas do céu e espalhar estrelas no mar...
Quero ver gaivotas na praia, andar com os pés descalços e
contemplar o infinito...
Quero sentir a brisa da manhã entrando pela janela e o
cheirinho bom de um café...
Mas a realidade muitas vezes me acorda e serve uma dose de
veneno...
Morro aos poucos...
Deolinda Cornicelli Buosi
(Texto inspirado no Livro Mulheres de Aço e de Flores/ Pe Fábio de Melo)